quarta-feira, 30 de setembro de 2015

pai

pai, você lembra das coisas que você falava? entrava numa consulta médica e dizia: urina, normal e fezes, normal. se um amigo chegasse em casa, você chamava e perguntava: o que acha de conjuntura política e econômica internacional? quando você ficava chateado, assobiava sozinho e suspirava: shnatse ha winter! se eu dizia que nunca faria alguma coisa, você vinha: nunca diga dessa água não beberei. e tinha os outros quinhentos e quem não tem quinhentos mil dólares e a piada do e se eu fechar a janela? vai fazer menos frio lá fora? você lembra, pai? não, é claro que você não lembra.

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

letra

num túmulo qualquer, um nome estava incompleto. alguém passou por lá e completou o nome, acrescentando, com massinha, a letra que faltava. é uma letra "e". agora o nome está lá, inteiro e essa letra zela, vela e guarda por nós, sempre incompletos, exilados, juízes sem verdade nem justiça. cuide de nós, letra "e", para que sejamos menos certos.

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

bem

sonhei com uma menininha, no fundo de um carro, dizendo, enquanto brincava com um jogo de montar: a cozinha do bem inconcebível não está nas coisas, nem nas ações ou nas ideias, mas nas palavras.
acorde-se com um barulho desses.

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

forma

recuar também pode ser uma forma de avançar. entregar-se também pode ser uma forma de resistir. negar também pode ser uma forma de dar. dar também pode ser uma forma de possuir. ficar também pode ser uma forma de ir.

sábado, 5 de setembro de 2015

queijo

quando descobri que todos os meses terminam com a letra "o", menos abril; quando li a primeira página de demian; quando entendi a maneira como chico buarque tinha escrito "construção"; quando pude escrever o que eu queria no livro "criatividade", de samir cury meserani; quando a noêmia me disse que minha calcinha suja de sangue era uma coisa legal; quando a tia pola me deixou comer um segundo queijo quente no macabi; quando a jany me deu a camiseta com a bandeira dos estados unidos; quando minha mãe me deu a baianinha que eu queria; quando a té ficou em casa; quando o menino que eu gostava sentou ao meu lado no ônibus; quando o badu me abraçou de surpresa na rua; quando minha avó trazia chocolate em forma de cocô em casa; quando eu disse que também queria ir para a disney e meu pai disse: tá bom.