sábado, 29 de outubro de 2011

girico

trata-se, todos vejam, de um problema científico. não sei exatamente como é que classifico. mas logo mais, sem delongas, pronto me justifico. aos curiosos, nervosos, brevemente eu me explico. se me ajudarem, de bom grado, a todos eu gratifico. assim que se apacientarem, eu rápido exemplifico. mas não suporto ignorar um problema ortográfico. peço a cegalla e bechara seu certo diagnóstico. e a eles, aos gramáticos, estas linhas eu dedico. e sempre, por toda a vida,a eles eu dignifico. mas alguém pode me dizer, por favor, eu amplifico. é com g ou é com j, a ideia de girico?

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

mundo

é ridículo dizer que ulisses é melhor do que a divina comédia, do que shakespeare, do que homero, porque ulisses é tão bom, que seria um insulto, a ele e às outras obras, lê-lo com vistas a comparações ou competições. mas acontece que é difícil, para poder descrever a sensação, não recorrer a este expediente bobo. ulisses é a melhor coisa do mundo e pronto.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

domingo, 23 de outubro de 2011

iugoslávia

meus pais nasceram na antiga iugoslávia. como eu gostava de ser descendente de iugoslavos e como dói não poder mais dizer isso e, a cada vez que digo este nome, precisar ouvir a pergunta inevitável: mas de qual região? como se, para o ouvinte, isso fizesse alguma diferença. iugoslávia, iugoslávia, onde você está? nem na sérvia, nem na croácia, nem na eslovênia, nem na macedônia. iugoslávia da dalmácia, de dubrovnik, de herzegovina, voivodina e do mar adriático. iugoslávia onde meu pai viu uma mulher fatiar um pão e um frango com a mão, dentro de um trem. não briguem mais, iugoslavos, me deixem dizer que sou iugoslava.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

celta

em junho de mil novecentos e noventa e oito, estava em londres e queria ver alguma apresentação de música celta. era o dia do jogo entre o brasil e a frança. descobrimos um pub num bairro operário afastado, no subúrbio, e fomos ver os mac namara brothers, num fim de tarde chuvoso e ermo. chegando lá, num bar decadente e meio mal assombrado, havia umas oito pessoas e ninguém conseguia acreditar que dois brasileiros tinham ido até lá para ouvir música celta, no dia do jogo do brasil. sentimos muito, disseram, mas não vamos tocar hoje. não podemos perder esse jogo.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

mendiga

na porta da estacionamento do supermercado, uma mendiga toda enrolada em cobertores velhos, deitada sobre metade de um colchão rasgado e cercada de caixotes e sacolas por todos os lados, fazia avidamente um caça-palavras.

domingo, 16 de outubro de 2011

sábado, 15 de outubro de 2011

querer

comecei a dar aulas sem querer, há trinta e dois anos, porque falava inglês razoavelmente e tinha um bom sotaque. hoje não dou mais aulas sem querer, faço porque quero. mas aprendi que alguma coisa neste ofício absurdo - teatral, gratificante, errático, mal remunerado e utópico - precisa ser sem querer. assim, quando você vê, nem sabe como, está lá, ensinando.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

mexerica

descobri que a maior demonstração de integração entre o homem e a natureza é a mexerica. coberta por uma pele que a protege perfeitamente, mas que é facilmente removível por dedos humanos, provocando o prazer do descasque; acondicionada em gomos simétricos e de dimensões nem muito grandes nem muito pequenas e de muito fácil separação; fundindo o sabor refrescante do amargo ao sabor infantil do doce e apresentando-se em diversas variações de cor, formato, textura e paladar, a mexerica evoluiu, ao longo de milhares de anos, exclusivamente para servir ao gozo e à inteligência humanas. além de ter esse nome, mexerica, que é quase tão lindo e bom como ela.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

tão

quando não for mais tão tarde, tão rápido, tão tanto, então haverá uma curva no ar e a respiração demorará mais tempo para perfazer seu ciclo.

sábado, 8 de outubro de 2011

biblioteca

sugestão para uma organização de biblioteca: livros que começam com o artigo definido, "o" e "a" e que, por isso, são difíceis de classificar em ordem alfabética; livros cujos personagens parecem inteligentes e auto-irônicos, mas que no fundo são só chatos; livros que seria melhor nunca ter lido; livros que você sabe que são muito interessantes mas que nem por isso vai dispender o tempo necessário para lê-los (como a ascensão e a queda de algum império antigo); livros de nacionalidades malucas, como gana e uzbequistão, países cuja única oportunidade de figurarem juntos é nesta biblioteca; livros que se sentem sozinhos e que por isso é melhor colocá-los juntos para eles ficarem mais felizes.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

aquilo

para acontecer algo que a gente quer muito que aconteça, o ideal é não querer que aquilo aconteça. daí acontece. mas como fazer para não querer? é preciso querer muito não querer e daí também não funciona. e também não funciona se você só não quer para que aquilo aconteça. é preciso deixar de querer. só. sem motivo. aliás, não é preciso. só é.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

documentos

pouca gente sabe, mas os documentos, na verdade, são diabos. toda as noites eles se reúnem e elegem quem serão os incautos à custa dos quais eles irão se divertir no dia seguinte. mal amanhece e um desses desafortunados recebe: três multas, sendo uma de quinhentos e cinquenta reais; uma intimação da receita federal para comparecer no centro da cidade onde mora, no dia seguinte, para recuperar um problema que o idiota tenta resolver há quatro anos, sem sucesso e uma notícia de que a entrevista finalmente conseguida para o visto de entrada nos estados unidos da américa foi mal agendada e a foto não foi aceita por problemas de iluminação. daí os diabos-documentos riem muito, mas muito mesmo e o incauto baixa a cabeça e chora.

sábado, 1 de outubro de 2011

certeza

quanto mais amadureço, mais percebo que um dos maiores problemas da juventude (e ela tem tão poucos) são as certezas. como é bom perdê-las e ver que tão poucas coisas são tão sérias, tão verdadeiras ou tão certas quanto pensávamos. uma grande certeza nunca vale tanto quanto uma dúvida, mesmo que pequena.