domingo, 30 de janeiro de 2011

conserva

sempre tive muito orgulho do meu pai por essa história que ele me contava, sem também demonstrar nenhum arrependimento: na antiga iugoslávia, minha avó fazia conservas doces e salgadas e guardava para o inverno, num depósito perto da sua casa. cobria os vidros com papel de seda e não deixava ninguém encostar nelas. meu pai subia no telhado do depósito e, com uma vareta, furava o papel. as conservas começavam a estragar e minha avó era, por isso, obrigada a servi-las. essa era uma alternativa. a outra era meu pai e o irmãos se fingirem doentes para que ela se compadecesse e oferecesse a eles geleias e compotas.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

embora

embora, como advérbio, é a contração de em boa hora. "vou embora" é usado como um advérbio de lugar, mas, na origem, tem significado temporal. o tempo e o espaço se reúnem, assim, para que este tempo-lugar seja carregado de bons augúrios. embora fica sendo o lugar e o tempo ideais. mas não consigo entender por que a língua reservou a esta palavra tão bonita também a ideia de conjunção concessiva, como em "embora não fale inglês, eu consigo me virar." penso, penso e não entendo. por que advérbio tempo-espacial e conjunção concessiva?

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

nada

quando o mundo acabar, além das baratas, sobreviverá também a burocracia, que, como elas, se auto-imuniza, auto-reproduz, não serve para nada, é feia, chata e burra.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

todo

envelhecer como um distanciamento, sem a histeria de fazer parte de tudo. e, à distância, enxergar melhor o todo, mais do que as partes.

sábado, 22 de janeiro de 2011

diminutivo

é um privilégio que o português, como poucas línguas, tenha o diminutivo, o que nos permite dizer coisas lindas, como "teresa, você é a coisa mais bonita que eu vi até hoje na minha vida, inclusive o porquinho da índia que me deram quando eu tinha seis anos". por outro lado, e certamente a partir do mesmo raciocínio de apequenamento, o "inho" também pode ser um indicador de segregação social. na pousada em que eu estava, ouvi a perua se dirigindo ao cozinheiro: "thiago, você pode me fazer um omeletinho ou uns ovinhos mexidos? ou melhor, acho que eu preferia um tostexzinho. ai, não sei, thiago! tostex ou ovinhos?"

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

plano

fico incomodada quando ouço dizerem: no plano profissional estou bem, mas no plano emocional, não; plano quer dizer nível, uma espécie de andar. isso significa que, ao nos referirmos à nossa vida em termos de planos, estamos dividindo-a em andares. penso que justamente o fato de verticalizarmos tanto a vida e a personalidade, é uma das razões para sermos infelizes. se fôssemos mais horizontais e se profissão e emoção não ficassem em dois planos diferentes, mas misturados, como já são, talvez tivéssemos menos problemas e certamente haveria menos mediocridade.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

infinitilhão

o menino de uns sete anos na mesa: quanto vem depois de um bilhão? o pai: trilhão. daí o menino ficou falando: trilhão, quatrilhão, cinquilhão, sextilhão, septilhão, octilhão, novilhão e ele iria até infinitilhão. daí a menina falou: bobalhão.

domingo, 16 de janeiro de 2011

beija-flor

vi um ninho com dois filhotes de beija-flor. num dia, cada um olhava para uma direção diferente. no dia seguinte, os dois, já maiores e com o pescoço bem esticado, olhavam para a mesma direção. no terceiro dia, só havia um, já bem mais crescido. enquanto eles estavam lá, sabia que, ao menos para mim, eles sustentavam o mundo. podia dormir segura, porque eles velavam pelos homens. e tinha mais certeza ainda disso tudo, porque sabia que o que os fazia sustentar o mundo inteiro era porque eles não o sustentavam em nada. nada mesmo. só ao farelo que sua mãe lhes traria no bico e ao espaço de um milímetro que lhes cabia.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

férias

férias significa féria, feira, regozijo. por extensão (e infelicidade inevitável) também significa salário remunerado para descanso ( salário que, por sua vez era o pagamento do trabalho em forma de sal). isso torna o descanso um direito concedido pela instituição máxima: o trabalho, ao invés de um ato autônomo. todos descansam sem culpa, porque trabalham. de qualquer maneira, o blog vai descansar, porque eu trabalho e porque eu quero também. não vou receber sal nem remuneração. só silêncio. volto no dia dezesseis.

sábado, 1 de janeiro de 2011

onze

que o novo seja a sucessão despercebida do igual e a surpresa urgente do durante. bom dois mil e onze para todos!