quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

aguardo

prefiro aguardar a esperar. a espera é lenta, tem um objeto específico, que provavelmente demora a chegar, atrasa e nos deixa nervosos, raivosos e inseguros. já aguardar, não. aguarda-se sem saber o quê. aguarda-se porque a vida passa, porque houve o passado e haverá o inesperado, ou melhor, o inaguardado, o que não se guardou que ocorrerá e, quando menos se aguarda, surpresa, ele vem e o aguardante se desguarnece e recebe o acontecimento com acolhimento e vontade. já o esperador, coitado, quando vem o que se esperava, baixa os ombros e se conforma, triste, que a coisa chegou, mas atrasada.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

garota

lester young, conhecido como saxofonista, conta que deixou de tocar bateria porque ele demorava muito tempo para desmontar os instrumentos e, quando terminava, as garotas já tinham ido embora. kafka também, numa carta a felice bauer, diz que o motivo mais importante para ele escrever era mesmo conquistar as garotas. cada um tem sua garota. a minha, acho que são os garotos.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

disco

ontem, na chuva que nos pegou desprevenidos e com pressa, sem guarda-chuva e no caminho para um encontro, vi uma mulher sentada na calçada, segurando no colo a filha pequena, estendida como se morta. negras as duas. a mãe chorava muito. parei. a pressa e a chuva chamavam. olhei, ela olhou. continuei.
o que me faz pensar nela agora, não dormir? culpa? dever? era uma cena teatral? arrependimento? por que não dei nem dez reais? mudaria alguma coisa?
a amiga disse que o rio de janeiro é um disco arranhado.
e daí?
o que importa o que senti, o que sinto?
por que não dei dez reais?
o que adianta essa briga interna?
teoria? prática? literatura?
o que tem ela a ver com minhas perguntas?
qual o tamanho do vazio, o colo perdido dos monstros que se escondem, para escutá-los?

sábado, 9 de janeiro de 2016

mala

eles nunca fazem uma mala só para os dois. sempre viajam com malas separadas. ela explicou: se já é tão difícil e a gente passa anos tentando mudar a si mesmo, quanto mais mudar o outro e ele é muito bagunçado. dá para conviver? então a gente convive. agora, mala junto já é demais.