quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

neblina

na música "you're gonna lose that girl", o joão escutava "esgana lose that girl". na placa "cuidado, sujeito a neblina", a rita lia "cuidado sujeito, há neblina", e achava que os administradores da estrada eram solidários com os motoristas. quando o henrique lia "casas do ramo" ficava procurando onde ficavam essas casas com um símbolo de raminho e eu, quando escutava o verso da música do vinicius "e chego a achar herodes natural", ouvia "e chego a xareró desnatural". isso tudo para não falar do "dimirô- se - se".

sábado, 25 de janeiro de 2014

arte

wassily kandinsky disse a frase que mais me convence sobre arte: "só é belo o que é necessariamente belo". para integrar técnica e "alma", linguagem e "desejo", forma e "conteúdo", a necessidade é o caminho. as coisas são assim porque precisavam ser assim; aquela palavra está ali porque precisava, não poderia ter sido outra. a obra é difícil, complicada, desafia a ideia geral de arte, mas o leitor ou o espectador sentem essa necessidade: então é bela.

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

tambor

a vivian me perguntou o que eu levaria para uma ilha deserta. pensei imediatamente em um livro, é claro. ela me disse, simples: eu levaria um tambor. estou há dez dias pensando na sabedoria desta escolha. um tambor: se shakespeare tocasse tambor, se dostoievski tocasse tambor, se descartes tocasse tambor. por que eu não disse: um tambor?

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

si

essa história de "seja você mesmo", "seja único", "seja diferente" já deu o que tinha que dar. como conciliar o imperativo "seja" com o adjetivo "único"? se você obedece ao apelo, já está se submetendo. quer ser único? diferente? você mesmo? o melhor a fazer é começar desobedecendo. e, para continuar, o "si mesmo" está longe, muito longe do "eu". ele está na esquina, no banco ao lado, do outro lado da cidade e do país. está vendo aquela pessoa ali, do outro lado da rua, que você não conhece? preste atenção. é lá que está o "si mesmo".

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

coração

embora o estômago seja mais ou menos o centro do corpo, é o coração que está ao sul do cérebro e ao norte dos órgãos digestivos. é ele que, entre o escritório central e deliberativo e a esteira de montagem e descarte, faz as vezes de veículo, meio, suporte, ponte, rua, passagem. não é à toa que a tradição poética e cultural assentou nele o símbolo do sentimento, uma espécie de ponto central entre o pensamento e o cocô.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

mão

"tu me manque", em francês, é o equivalente a "tenho saudades de você". "mancar" vem de faltar uma mão, ser maneta, daí a ideia de carência, de algo que não está lá. essa inversão gramatical (tu como sujeito da frase, no lugar de eu) faz com que o outro seja o protagonista da falta que provoca no eu. como se o outro fosse uma mão ausente. já no português, a falta é interna, mais lírica e subjetiva. como se o outro não fizesse tanta diferença. a saudade, e não ele, é o que machuca.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

guerra

depois de ter sua casa de campo invadida pelos soviéticos, que a ocuparam completamente, transformando-a num galpão para conserto de armas danificadas e depois de ser continuamente acusado de "burguês", pois possuía "objetos fascistas" como candelabros, vasos, talheres de prata e porcelana, além de ser acusado de pensar e agir de forma burguesa e individualista, sandor marai se viu finalmente livre. os alemães saíram de budapeste, perderam a guerra e os soviéticos desocuparam sua casa. voltando à cidade, encontrou o lugar onde já escrevera cerca de sessenta livros, onde vivera os últimos quinze anos de sua vida, totalmente arrasado. não sobrara nada. em meio aos escombros de sua casa, destruída pelos nazistas, vasculhada e saqueada pelos soviéticos, ele encontrou, intacto, um livro isolado numa prateleira: "como criar um cão numa casa burguesa".

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

madame

debaixo da polidez impecável do parisiense mora um ogro terrível. bonjour madame, desolee madame, silvouplaites madame, je vous en prie madame,  pardon madame. mas trisque um dedinho do plano pré-estabelecido das trocas fáticas e o ogro aparece: ficou louca, madame? pode esperar um pouco, madame? já não ouviu o que eu disse, não entendeu, madame? quer falar francês, então fale direito, madame.
madame não gosta que ninguém mexa com ela. madame fica brava.