terça-feira, 28 de maio de 2013

tolerância

tolerar não é aceitar, é resistir e durar. por exemplo, para medir a capacidade de uma carga, é preciso saber o grau de tolerância do material a ser transportado. ou melhor, para aceitar é preciso durar com a coisa dentro de si e ver quanto somos capazes, por um longo tempo, de resistir a ela. só assim a aceitação valerá e será tolerância. antes disso é fingimento.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

írisz

írisz fala húngaro, gosta de orquídeas e de doce de papoula. veio para o brasil em mil novecentos e cinquenta e sete, deixando sua mãe doente em budapeste e seu namorado imre, militante revolucionário. ela não sabe se ele está vivo. ela veio para são paulo a partir de um convênio estabelecido entre o jardim botânico de são paulo e o de budapeste, para pesquisar orquídeas brasileiras, muito mais prolíficas e exuberantes do que as de lá. não consegue aprender direito o português, embora tenha muita facilidade com línguas e identificou semelhanças espantosas e tristes entre o húngaro, as orquídeas e o doce de papoula: todos são aglutinantes, ou melhor, funcionam por atração e amálgama. ninguém entende isso muito bem, mas ela sim e isso basta. por enquanto, írisz não existe, mas existe demais.

terça-feira, 21 de maio de 2013

ovo

na porta do prédio da antiga rua correa dos santos, por volta de mil novecentos e setenta e dois, então com dez anos, li as primeiras frases de demian, de herman hesse, num livro provavelmente emprestado de minhas irmãs bem mais velhas: o pássaro quebra a casca; o ovo é o mundo; quem quiser nascer tem de quebrar o mundo. lembro de estacar muda, por alguns minutos. era uma revelação. quantas cascas quebrei, quantos mundos, quantas vezes parei muda nas calçadas e só hoje, quarenta anos mais tarde, sei que ainda estou dentro do ovo.

sábado, 18 de maio de 2013

azul

esqueço o sonho que não tive. também lembro dele. era azul o lugar e um homem segurava uma frase longa, se enrolando nas palavras, mais especialmente nas conjunções: contanto, apesar, embora. acho que era hamburgo, na fronteira com a dinamarca. isso, isso é a memória. ou melhor, o esquecimento, que, na verdade, é o lugar azul da memória, lá onde ela se transforma em mar e se indistingue do céu. o esquecimento é a polpa azul da memória, lá onde as palavras se enroscam e não sabem o que querem dizer. às vezes acho que esquecer é mais, muito mais vivo do que lembrar. por isso, te esqueci, sim, o que me deixa cada vez mais próxima de você.

terça-feira, 14 de maio de 2013

menthos

panettone só italiano, azeite só português extra virgem, caldo só de carne de verdade, vinho só francês, presunto só parma. enlatados, embutidos ou porcaria tipo pringles, nem sob tortura! mas me apaixonei outra vez, na fila de espera do cinema, perto da vitrine de balas, quando ele me perguntou, ansioso: você não quer menthos?

sexta-feira, 10 de maio de 2013

um nove dois

samu mãe não baleado socorrer um nove dois filho meia hora que foi deixam não policiais pode demora. filho morre.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

nelly

pelo obituário de ontem, soube que nelly jafet morreu. não a conheci. mas fiquei triste, confesso, mais por mim do que por ela. nelly, poderíamos ter nos conhecido e nos contaríamos, as duas já escaldadas, o que é ter esse nome. não que seja pesado, ao contrário. mas é definitivo. ela, minha irmã árabe no mundo, saberia, como eu, que nossa ascendência semítico-europeia é um fardo leve que levamos e que nossa brasilidade é condenada e abençoada pelo estrangeiro. nelly, você acharia que só estou dizendo bobagens? não, nelly, você me daria um abraço. nelly, que pena, nelly.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

sexta-feira, 3 de maio de 2013

gajo

silogismo:a) a palavra gajo- rapaz - vem de gaia, que, originalmente, é alegria. b) a palavra gay vem de gaia, que, originalmente, é alegria. c) todas as palavras provenientes da mesma origem têm significados semelhantes, mesmo que ocultos. d) todo gajo é alegre. e) todo gay é alegre. f) todo gajo é gay.