quarta-feira, 20 de maio de 2009

enguia

por causa do filme "o tambor", sempre detestei enguias. a combinação de réptil e peixe, cobra marinha, me causava medo e uma ideia sombria dos mistérios insondáveis do mundo. mas cortázar, em "prosa do observatório", compara os caminhos das constelações, no céu, com os caminhos das enguias, no fundo do mar. freud pesquisou a sexualidade das enguias em trieste, cidade do mistério encantador e hoje eu li esse poema do eugenio montale, que finalmente me conciliou com o engima lindo desse bicho de alma verde, que caminha pelo coração das rochas:

A Enguia

A enguia, a sereia
dos mares frios que deixa o Báltico
para alcançar nossos mares,
nossos estuários, os rios
que sobe pelas profundezas, contra a enxurrada,
de braço em braço e depois
de veio em veio, cada vez mais delgados,
sempre mais dentro, sempre mais perto do coração
da rocha, filtrando-se
por regos de lama até que um dia
uma luz desfechada dos castanheiros
acende sua chispa num poço de água parada,
nas valas que se despejam
dos flancos do Apenino, na Romagna;
a enguia, torcha, açoite,
flecha de Amor na terra
que só as nossas ravinas ou os ressecados
regatos pirenaicos reconduzem
a paraísos de fecundação;
a verde alma que procura
a vida onde só
reina a aridez e a desolação,
a centelha que diz
tudo começa quando tudo parece
carbonizar-se, galho enterrado;
breve arco-íris, íris gêmea
daquela que teus cílios encastoa
e que fazes brilhar intacta entre os filhos
do homem, afundados no teu lamaçal, podes tu
não crê-la irmã?

Tradução de Geraldo Holanda Cavalcanti

Um comentário:

  1. parece que o eugênio disse tudo isso para te convencer a amar a enguia.
    é lindo.

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