quarta-feira, 6 de janeiro de 2010
cruzamento
enquanto eu procurava no mapa a localização da calle florida, uma das mais movimentadas e certamente horríveis ruas de buenos aires, um homem com aparência de índio sulamericano dormia profundamente, encostado numa porta de garagem. era cerca de meio-dia. sua cabeça pendia de um lado para o outro e ele não acordava, mesmo com toda a movimentação em sua volta. cruzamos milhares de pessoas todos os dias, observamos algumas delas e nem olhamos para a maioria. mas esse homem ficou marcado em mim. seu semblante, mesmo dormindo, indicava que ele tinha sofrido muito durante a manhã, provavelmente procurado vários empregos. consegui ver isso e acho que não estou glamourizando sua pobreza, simplesmente porque ele era um índio dormindo na calçada. o que me surpreendeu foi que estávamos no mesmo tempo, no mesmo espaço, em mundos totalmente diferentes. eu nunca mais vou vê-lo nem ele a mim. fui à florida, detestei, veio a noite, jantei, dormi e é ele que não me sai da cabeça. não quero nem vou fazer nada por ele e não é isso o que ficou fixado. é o cruzamento inadvertido de histórias se raspando impossivelmente. sei lá de que montanhas peruanas seus ascendentes vieram; sei que os meus vieram de absurdos urais. e naquele momento, os andes e os urais se encontraram por uma fração. não houve terremoto, o tempo não parou. tudo seguiu. como? por quê? onde está você, que dormia na praça general san martín? onde está aquela que procurava a localização no mapa?
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